AS CIÊNCIAS CRIMINAIS NA ERA DA INFORMAÇÃO: DOGMÁTICA OU DOGMATISMO?

Nos últimos anos as ciências criminais, objeto desta breve reflexão, têm se deparado com um certo desgaste em relação à forma com a qual o processo penal tem sido aplicado nos tribunais brasileiros, pois o que tem se verificado é um verdadeiro deslocamento da dogmática jurídica tradicional para um campo obscuro em que o apressado justiçamento é maior legitimador da aplicação da pena.

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Tal cenário é cada vez mais recorrente na jurisdição também sob influência de uma amplificada noção de segurança pública e criminalidade provocada por intermédio dos veículos de comunicação, o que acaba por interferir no lugar comum que deveriam ocupar as decisões judiciais.

Ao defender uma teoria da decisão judicial, Lenio Streck já vem denunciando a fragilidade e vulnerabilidade aos quais o direito e as decisões judiciais vêm sendo submetidos dentro da sua dogmática criminal, de modo a comprometer institutos e princípios próprios e reconhecidamente acolhidos pela maioria das constituições ocidentais e, por certo, condensados há séculos através de um processo civilizatório.

Certo de que não se pode generalizar a crítica aqui articulada, verifica-se que o problema do decisionismo, diretamente imbricado com a meteórica expansão do judiciário, tem nos levado a problemas sérios dentro da dinâmica do Estado democrático de Direito, já que, no afã de querer fazer justiça, muitas vezes qualquer justiça, juízes acabam se rendendo às pressões externas, preterindo assim axiomas  seculares das ciências criminais por um moralismo solipsista e rotulado como protetor da coletividade, mormente nos casos que envolvem clamor midiático.

 Dentro desse contexto, não há dúvidas de que as ciências criminais vêm sendo posta num verdadeiro paradoxo entre teoria acadêmica e prática forense em terra brasilis, pois em razão do expansionismo do estado policialesco e a intensidade com a qual os veículos de informação levam a notícia ao telespectador e à sociedade, inevitável é a contaminação, seja de ordem política ou ideológica, que a influência midiática produz no seu público alvo, no qual igualmente incluem-se atores jurídicos vulneráveis à essa influência de massa e acrítica.

A cada operação policial deflagrada e logo rotulada como produto midiático pela imprensa, quase sempre sob aplausos da comunidade avida por vingança e linchamento moral, não raro os juízes da causa se vêm constrangidos pelo clamor público e pela imprensa a tomar medidas muitas vezes afrontosas ao estado democrático de direito ante a pressão causada pela informação apressada e mal prestada por estes veículos de comunicação, inclusive pelas redes sociais, atropelando notadamente direitos e garantias fundamentais.

Contudo, a contrassenso desse movimento punitivista que se instalou nas instituições que deveriam zelar pela observância da dogmática criminal, sabe-se que as ciências criminais como ramo do conhecimento científico vêm sistematicamente sendo estudada e aprimorada dentro de uma dinâmica epistemológica voltada para as garantias do sujeito perante a pretensão estatal de puni-lo por consequência do cometimento de uma infração criminal, a ser entendida, aqui neste espaço, no seu sentido amplo, tanto material quanto formal.

Com efeito, nos últimos quatro séculos as ciências criminais sofreram uma considerável transformação e aprimoramento, especialmente a partir dos movimentos iluministas que sacudiram a Europa nos séculos XVII e XVIII, que muito influenciaram o direito penal e consequentemente a sua evolução histórica e científica num movimento que permanece sendo aperfeiçoado.

A partir do período denominado de pós-guerra, na linha desse desenvolvimento histórico e científico, a dogmática criminal sofreu, em tese, uma considerável evolução teórica com a constitucionalização do direito, pois no campo do direito constitucional percebeu-se um verdadeiro fortalecimento da proteção do acusado contra abusos cometidos pelo estado na condução do processo de aplicação da pena.

Deste modo, com vistas a proteger a integridade moral e a dignidade da pessoa humana, a teoria dos direitos fundamentais emergiu, nesse cenário constitucional, como cerne deste novo paradigma, na medida em que a nova sistemática jurídica deixou de ser vista somente por parâmetros formais de validade ou exclusivamente pela mera técnica subsuntiva.

A partir destes conceitos consolidados tanto pelo enfoque exclusivamente criminal, quanto constitucional como garantidor do direito de defesa do réu em Juízo, é que as ciências criminais construíram, a custo de fantásticos estudos, uma verdadeira complexidade dogmática, cujas ramificações se fazem presentes tanto no direito processual quanto no direito material brasileiro.

Contudo, em que pese a existência desta complexa ramificação dogmática fruto de um processo deveras civilizatório, verifica-se que enquanto estes conceitos que revestem a dogmática nas ciências criminais se restringem somente ao campo epistemológico e ao debate acadêmico, limitados a meras divergências conceituais e científicas, não haverá como dar uma maior efetividade a um processo penal democrático e desapegado de paixões e decisionismos.

A partir do momento em que estes conceitos são levados e desafiados na prática forense as ciências criminais se deparam com um verdadeiro paradoxo de incoerência e teratologia, a exemplo de uma decisão em que o magistrado utilizou uma entrevista de uma atriz para fundamentar (sic) uma condenação.

É necessário, portanto, que o magistrado perceba a perniciosidade com a qual a informação tendeciosa corre pelos meios de comunicação e a influência a qual exerce no seu (in)consciente, mormente quando manipulada por fatores alheiros à dogmática processual, a exemplo da ilusão ainda cultivada em axiomas como verdade real e neutralidade no ato de julgar.

É certo que a Constituição da República albergou, em seu art. 5º, inciso XVI, o direito à informação, o qual se traduz em um dos princípios mais importantes para o exercício da cidadania, uma vez que está diretamente associado a transmissão de informações que versam sobre o interesse público ou assuntos relevantes que venham a enriquecer o debate dentro da dinâmica do Estado Democrático de Direito e que tem como um dos seus maiores condutores os órgãos de imprensa.

O direito à informação, que precede o direito de liberdade de imprensa, adquiriu a denominação de princípio no decorrer do século XX, pois em virtude da necessidade de se prevenir os cidadãos contra abusos de poder, conspiração, etc., adquiriu grande importância dentro do constitucionalismo moderno, justamente por estabelecer um condutor entre a liberdade de imprensa, e o direito de ser informado do cidadão e ainda o dever de informar.

Contudo, conforme já assentado pelo Supremo Tribunal Federal, é imprescindível que haja o comprometimento ético por parte dos veículos de comunicações na divulgação de informações, para então, evitar-se desorientação na informação prestada, bem como o desvio de finalidade.

Sem prejuízo do exercício ao direito de manifestação do pensamento, do mesmo modo positivado no art. 5º, inciso, IV da CRFB/1988, assim como os princípios da liberdade de informação e expressão, em se tratando de decisão judicial, o compromisso político do magistrado com a comunidade jurídica e política devem transcender os seus preconceitos e opiniões privadas, pois conforme alertou Lenio Streck em artigo intitulado Abandonar as próprias vontades para julgar é o custo da democracia, só se corrige o decisionismo com um forte constrangimento doutrinário em desfavor de quem julga errado, incentivando as decisões acertas a fim de se criar uma jurisprudência sólida

Em uma democracia constitucional deve ser assegurado a todos o pleno exercício da cidadania, seja mediante a expressão do pensamento, seja mediante o direito de ser não só informado, mas bem informado, para então se assegurar a todos a livre expressão de ideias e pensamentos e assim se buscar efetivar tanto a liberdade quanto a igualdade, sem se comprometer, evidentemente, a seriedade com a qual as decisões judiciais devem ser encaradas, especialmente em se tratando de ciências criminais.

Uma sociedade que se pretende democrática na busca dos seus fins constitucionais, é certo, não pode compactuar com a ideia de se possibilitar que, mesmo em casos excepcionais, haja uma flexibilização da dogmática criminal e das garantias fundamentais, principalmente por intermédio daqueles que têm o dever de zelar pelos compromissos jurídico e político determinados pela Constituição. 

Em face do atual cenário, é evidente que as ciências criminais precisam permanecer avançando na busca do melhor consenso, mantendo o zelo por um sistema punitivo eficiente não só no sentido de célere, mas igualmente no sentido de conscientização sobre a necessidade de se compreender que o direito e processo penal não foram feitos para a vítima, sem embargo do reconhecimento da garantia do cidadão à segurança pública, a qual é ostensiva e preventiva, não corretiva, conforme representa o papel do Poder Judiciário.

Para tanto, se faz necessário uma séria reflexão sobre o ensino jurídico no país, que é de onde emerge a fonte de decisões carentes de fundamentação democrática e bem servidas de arrogância e autoritarismo. 

Daí, com maior razão, é que se deve ser vigilante com as decisões judiciais mediante a constitucionalização do direito e do processo penal, o que ainda é um enorme desafio na prática forense Brasil a dentro.

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